Me lembro que um diretor de redação, Sr. Democrata (vou chamá-lo de SDM), passava sempre pela minha mesa cultural pedindo dica de filme em cartaz para ver com a namorada, e que isso em essência, se parássemos para pensar, era a finalidade de nosso trabalho, servi-lo pessoalmente, além de ele propagar nossas notícias, críticas e conclusões ao público que ia a sua casa aos sábados para beber seu vinho e comer sua comida enquanto ele distribuía sua revista à mesa e discursava sobre a própria importância jornalística.
O que escrevíamos servia também para SDM concluir que no Brasil éramos ridiculamente pequenos, especialmente em todas as artes, exceto talvez, olhe lá, na música, mas sem esses sambistas todos. Nós nos vestíamos em “andrajos” e éramos o povo “mais feio do mundo”, submetidos à “comida dos selvagens” como ela existe na Bahia (ou no Pará, mas “de que me interessa o Pará?”).
Me pergunto se alguém pensa com ingenuidade que só pela Globo fomos destruídos, primeiro culturalmente. Há tanto mais (neste caso, miúdo) a ter solapado aos poucos nossa identidade e manchado nossa história – a ponto de havermos acabado aqui – que serão necessários muitos anos de pesquisa acadêmica e isenção, com os quais possivelmente jamais um dia poderemos contar, para situar toda essa humilhação em perspectiva.
E escrevo isto talvez para o futuro, se futuro houver, para que não nos deixemos enganar pelas tolices hagiográficas que cercam certas figuras jornalísticas.