Os pesadelos não param. Talvez porque os últimos dias tenham sido assim, em torno da tristeza e da morte. Mas sou infeliz, eu, durante o dia, para sonhar tão ruim? Não creio. Não normalmente.
O fato é que nos sonhos estou pela rua procurando alguma coisa, visitando alguém ou até mesmo festejando meu aniversário, quando de repente me vejo sem máscara. E me sinto nua, aterrorizada.
Ninguém protegido ao meu lado, igualmente. Todos inconscientes. Só eu me dou conta de que há uma pandemia em curso e não me protegi. Perco a voz.
Procuro algo para tapar o rosto. Um papel. A malha que estava na cintura. E subo nos ônibus apressada rumo a minha casa, aonde não sei ir. Eu perambulava por um lugar distante, perdido no mundo, e não faço a mais remota ideia de qual é o caminho de volta.
Pois então. Ontem sonhei assim e hoje vejo todas as fotos do Mussolini de subúrbio na multidão. Ele não sonha com o pior, certo? Ele já vive o pior. Tão experiente nele. Ele é o pior lugar em si. Por isso agora se sente melhor do que nunca, em êxtase contínuo, passeando sobre os cacos da nossa agonia sem furar os pneus.
E eu?
Eu só não queria acordar sempre aflita depois desses sonhos, os dentes trincando, à procura imediata das pessoas que amo. Os olhos só abrem a muito custo.
Não é possível que algo no meu dia me leve durante a noite à responsabilidade por esse caos. Repudiei esse escárnio humano com todas as minhas forças e aceitei de muito bom grado votar em Haddad, que nem era meu candidato ideal, depois de aceitar não ser mais possível recolocar a presidenta em seu lugar de direito.
Por que me culpo, então? Será que porque não sei gritar, nem mesmo conscientizar quem está perto, como o porteiro bolsonarista do meu prédio?
O que está acontecendo conosco? Quando empurraremos o espectro pelo precipício? Quando faremos alguma coisa?