Tenho mais livros que os possa ler.
E não conto isso para as mentalidades marie kondo, para quem livros, como roupas, devemos acumulá-los ao mínimo denominador de uso. Entendo e respeito que sua experiência com os livros seja diferente da minha.
Eu não uso livros desse modo. Eles não se esgotam, para mim, como um quimono ou um sapato. Exceto, é claro, se suas costuras forem frágeis.
No tempo em que fiz pós, meu hábito de juntar livros permitiu a conclusão de capítulos, visto que eu trabalhava e cuidava dos filhos enquanto estudava, portanto sem tempo para bibliotecas.
Até hoje, ser afortunada a ponto de dispor de mais livros que os possa ler me abriu possibilidades para temporadas ruins, como esta, pandêmica. Nesses momentos, é só percorrer as estantes para redescobrir um gosto guardado, interrompido, e se ocupar das iluminações.
Sei que em razão disso as minhas serão, no mais das vezes, leituras novas-antigas, visto que não estarei atrás do que emerge no momento. Por mais que meus amigos se entusiasmem com as novidades literárias, não sei compará-las, sem prejudicá-las, com a visão do passado.
Qual foi o último novo livro ficcional brasileiro que me fisgou pelo sabor? Melhor nem dizer. Leio os primeiros capítulos e não me entusiasmo. Por certo estou ultrapassada em informações, por certo preciso ler mais e mais.
No entanto, acompanho com ânimo novas pesquisas históricas. Os livros sobre a aventura intelectual me proporcionam o prazer da descoberta que não encontrei nos ficcionais.
É tudo uma questão de limitação pessoal. Se eu fosse um Borges, nem precisaria de biblioteca em casa, pois a teria toda em minha cabeça.
Uma vez o escritor argentino se declarou insultado com a observação de Vargas-Llosa, que, ao visitá-lo em Buenos Aires, anotou com surpresa (ou terá sido superioridade) o número limitado de livros nas estantes. Como se acúmulo de publicações significasse saber! Adoro recordar isso porque conheci de perto a figura pequena que Vargas Llosa é.
A meu modo sou pequena também, razão pela qual minha biblioteca é razoavelmente grande, capaz de deter em parte os pesadelos que vivo no presente.