Marianne Faithfull como eu a vi

Uma mulher não deve vacilar

Estava à toa em Paris, vivendo como uma espécie de babysitter de um bebê franco-brasileiro, à espera de que o horror da posse de Fernando Collor passasse, quando soube que Marianne Faithfull, morta agora, faria um show em La Cigale. 

Era (ainda é) um teatro muito bonito no bairro La Pigalle, perto de Montmartre, cheio de poltronas estofadas vermelhas. Embora coubessem centenas de espectadores por lá, a impressão que o teatro me dava era de aconchego. Me sentei num lugar relativamente perto do palco.

O show aconteceria umas nove da noite, mas cheguei bem antes. Um perigo andar de metrô quando somos jovens e nossas pernas têm algum poder de abalar Paris. Era de metrô que andavam os valseuses (nada parecidos, por certo, com Gérard Depardieu ou Patrick Deware no filme do Bertrand Blier), gente à toa feito eu, e à noite, às vezes perigosa. Passei aperto quando dias antes andei num vagão onde havia apenas mais um homem a ocupá-lo além de mim. Eu pulava de banco em banco e ele vinha atrás. Quando o trem chegou na estação seguinte, saí apressada. E só peguei outro trem de novo quando entendi que duas pessoas pelo menos embarcariam junto comigo.

Enfim, não havia a opção, para uma pobretona feito eu, de usar um meio de transporte diferente. O metrô chegava em todo lugar, e se comprássemos um pacote de bilhetes, pagaríamos menos. Quando finalmente me sentei na plateia do teatro, respirei aliviada. Pensava com orgulho que conseguira chegar ali sã e salva, prontíssima para ver Marianne, e que isso representava um triunfo em minha modesta história. 

O teatro não lotou. Havia jovens como eu e gente bem mais velha na plateia. Poucos casais. Muitos vinham sérios e sós. Quando ela pisou no palco, agiu como divindade. Um vestido midi algo brilhante, uma sandália com salto, distante de todos, olhando altiva para a frente. Sem agradecer nem falar com o público, iniciou a apresentação com toda a iluminação sobre si, e assim permaneceu.

Eu não conhecia as novas canções e só esperava a hora do “As Tears Go By”. Mas Marianne não dava mole. Cantava o que queria em francês e inglês à frente do palco, desinteressada da banda e do público, fumando o tempo todo. A voz grossa vinha se especializando, e o sorriso que eu vira na televisão ou no cinema não aparecia nunca.

Não a achei particularmente bonita. E a entendi bem mais velha do que era. Tinha então 44 anos. Cantava roucamente, mas era como se falasse alto. Grande presença, o tempo bem marcado, sem nunca vacilar.

Um homem magro, em sua idêntica faixa etária, aplaudia tudo embevecido desde a primeira fila. Mas ela reclamou dele. Precisava de silêncio, como talvez Maria Callas também precisasse. E ele não conseguia aquietar a emoção. 

Marianne destoava. Uma figura excepcional, consciente de sua excepcionalidade neste mundo. Sempre me intrigou a certeza dessas pessoas a respeito de si mesmas. Será mais fácil ou mais difícil viver quando se tem essa consciência? Bem, não me interessa. Ainda guardo a imagem de ternura transmitida por ela nas fotos de revista. Não é fácil ser mulher, nem tornar-se.

Uma pincelada de ternura, direto das revistas

De profundis

Paulo Netto no show “Coração Selvagem”, Centro Cultural São Paulo, em 29 de junho de 2024

Sempre achei difícil definir meu encanto pelo @paulonettocantor. Mas hoje, depois de assistir a seu show “Coração Selvagem”, entendi melhor minha afeição pelo artista. Ele, pernambucano, interpreta no show o repertório musical saído da rádio da vizinha em Condado, onde nasceu. A vizinha o intrigava: como poderia cantar feliz aquelas histórias tão tristes? Mas eu, nascida aqui em São Paulo muitos anos antes, ouvia a mesma ladainha nas férias nordestinas, e minha vontade era, pelo contrário, sorrir diante de letras tão originais que pareciam derramar-se! Desde o sol, naquela região do Brasil, tudo se espalha, comove, brilha, engrandece.

Como explicar? É prazeroso o desmanchar-se. E talvez você só consiga entender isso direito quando o próximo show “Coragem” aparecer, ou o novo álbum de Paulo Netto sair. Será possível perceber então como ele interpreta com amor sentido os muitos momentos da canção profunda brasileira, seja de Márcio Greyk (“Impossível acreditar que perdi você”), Fernando Mendes (“A desconhecida”), Tierry (“Gerusa”) ou dele próprio com Martins (“Nossa dança”), legando-nos sempre um sorriso na intensidade, como a provar a distância mínima que existe entre uma lágrima, uma gargalhada e o dia quente sobre as calçadas de pedra onde se dão as serestas.

“Impossível acreditar que perdi você”
“A desconhecida”
“Gerusa”
“Nossa dança”

Dona Cadu, que era a própria alegria

Pensei nela algumas vezes nesta semana, ontem mesmo. E morreu na madrugada de hoje, dia 21 de maio de 2024, aos 104 anos. Encantou-se dona Cadu.

Louceira e principalmente sambadeira do Recôncavo Baiano, tornou-se a guia poderosa para tantos, certamente para meu pobre espírito. Não tenho religião, mas conto com dois guias dessa imensidão em minha vida: Chagdud Rimpoche, que acalmou minhas preocupações de grávida e abençoou meu filho, e dona Cadu, que me sorriu e sorriu (e vocês podem notar isso nestes vídeos que fiz dela em 2017, em Coqueiros, e no ano passado, durante evento sobre as louceiras/sambadeiras do Recôncavo, durante o qual dançou com o filho Balbino).

Estou muito triste, mas sei que a sua será uma subida gloriosa, e que ela já habita, aquece e preenche nossos corações. Obrigada por tanto, dona Caduzinha, que era a própria alegria da vida.💜

Diante de sua oficina de cerâmica
em Coqueiros, 2017
Sambando em Saubara, no
Recôncavo Baiano, em 2027
No palco do Sesc 24 de Maio,
São Paulo, em abril de 2023, feliz
por ser sambista…
Dançando com o filho Balbino
no palco do Sesc 24 de Maio,
em São Paulo, abril de 2023

Quando a notícia da morte de Cobain chegou à redação

Mais uma croniqueta em torno da ausência de pensamento que resultou nas serpentes cantanhedes do presente

Lutei por você, Kurt

Na revista que em dias melhores derrubara um presidente, concluíamos a edição de cultura às quartas-feiras, e às sextas nos revezávamos (o outro jornalista da área e eu) no plantão de fechamento geral. A ideia do nosso plantão era absorver qualquer urgência dita cultural antes de a publicação sair para rodar na gráfica.

Eu era a escalada a esperar por eventuais informações inadiáveis de cultura quando a notícia da morte de Kurt Cobain apareceu na sexta-feira 8 de abril de 1994 (só posteriormente se estabeleceu que o falecimento ocorrera três dias antes).

Postada diante da máquina de fax, recebi a notícia como um golpe e fui até a direção, umas quatro mesas à frente, para informar a morte – o mais duro, convencer o meu superior de que o fato merecia espaço já naquela edição da revista.

O secretário de redação responsável pelo fechamento tinha os cabelos pretos repicados, lisos de oleosidade, na altura do pescoço. Os olhos fundos eram cultivados durante as noites perdulárias passadas de táxi em táxi, de bar em bar, às vezes compartilhadas em parte (a do jantar) por alguém da redação como eu. Sempre necessitada de carona pra casa, eu estava apta a exercer a companhia breve de certa forma solicitada por alguém tão só, ainda que breve em termos. Em uma dessas ocasiões ele me fez sentir presa no filme After Hours de Martin Scorsese, a escorregar por Pinheiros como se houvesse sido decretada uma noite sem fim.

No entanto, não era mau como os outros, o secretário. Não gritava, não jogava garrafas vazias de cerveja no chão. Apesar de sua idade (hoje eu diria que nem tivesse chegado aos 40 anos), imerso na fumaça dos cigarros sorvidos por entre os dentes desordenados do tipo ingleses, ele agia como um lulu dos 1960 e de seus mitos, a glória e a repressão enfrentadas pelos companheiros do passado. Era cavernoso, encucado, um drácula típico para quem o observasse pela primeira vez.

Claro estava que a revista, em parte editada por ele próprio, comentara já os paranauês reinantes da música pop, mas isso não lhe entrava na cabeça, visto que vivia em outro tempo, até outro lugar. Por muitos segundos pareceu firmemente em dúvida sobre se valeria a pena desfazer a diagramação para incluir o obituário de Cobain, já que não contava com outros parâmetros para estabelecer se aquilo era mesmo importante. A redação não dispunha de tevês ligadas e os jornais do dia seguinte, que ele sorvia diariamente com a intensidade dos cigarros, careciam de ser impressos. Era principalmente um leitor de jornais e de revistas, não de livros, como convinha à época a um verdadeiro, sólido e bem posto jornalista monoglota brasileiro.

O principal a ocorrer naquele infortúnio inesperado chamado Cobain: a notícia vinha comunicada a ele unicamente pela coisinha sem lastro que eu parecia ser. Desconfio que desconhecesse o prodígio de Seattle, assim como ignorava River Phoenix, o ator igualmente estadunidense que morrera no ano anterior e não merecera matéria extensa na publicação.

Lutei então para que déssemos a morte do músico em pelo menos duas colunas com foto numa seção de urgência que abria a revista. A seção introdutória de textos curtos fora chupada diretamente da Time, assim como todas as outras da revista, por Sr. Democracia, o diretor de redação substituído (“temos de copiar o que é melhor e a Time é a melhor”). O secretário acabou concordando que fazia sentido publicar o necrológio, e sobrou pra mim. Tinha de me manter ligeira, embora não fosse fácil escrever tão rapidamente assim naquela redação.

O arquivo da editora era precário. Nem sonhávamos com a existência da internet. E produzíamos em máquinas de escrever, ao contrário do que ocorria no mais festejado jornal paulista desde a década anterior. A redação da revista, situada numa espécie de grande mezanino de madeira em prédio antigo e abafado, diante da linha do trem, me dava frequentemente a impressão de estar prestes a desmoronar.

Me virei como pude, ou seja, obtive os dados de que mais precisava a partir de uma matéria feita por mim mesma, pouco tempo antes, sobre o grunge, um estilo que a imprensa havia inventado para rotular o surgimento de bandas como Nirvana e Pearl Jam. Guardava algumas revistas em minha mesa justamente para necessidades assim.

Durante a escrita, dei-me conta de um pequeno fato que hoje parece óbvio para quem acompanha a história do rock. Cobain se suicidara aos 27 anos, a mesma idade em que morreram Jimi Hendrix, Janis Joplin, Jim Morrison, Brian Jones. Achei que muita gente notaria o fato em seus textos publicados naquele fim de semana. Mas não. A revista enfumaçada, com seu necrológio modesto, fora a única brasileira a ressaltar a entrada de Cobain para o que ficou conhecido posteriormente, em tom macabro, como o Clube dos 27. Não recebi elogio algum por isso, claro. O secretário nem me cumprimentou na segunda-feira seguinte. Fiz o meu dever, e ele respirou de alívio.

Bill Withers em busca do sol

Bill Withers (1938-2020) escreveu a música “Ain’t No Sunshine” aos 31 anos, em 1969, quando trabalhava em uma empresa fabricante de assentos sanitários para aviões. Withers gravava fitas demo com o próprio dinheiro e tocava em vários clubes à noite.

Quando estreou nas rádios com “Ain’t No Sunshine”, recusou-se a largar seu emprego, certo de que a música popular era uma indústria inconstante. Mas a canção fez tanto sucesso que ele ganhou um disco de ouro. Como presente, a gravadora lhe presenteou com um vaso sanitário dourado.

Em 1985, aos 47 anos, Bill Withers decidiu abandonar a carreira. Ele sentiu que as gravadoras com as quais trabalhava tentavam exercer cada vez mais controle sobre sua sonoridade, de modo a vender mais discos. Sentiu-se rotulado e não quis mais fazer parte do mundo da música.

Withers foi incluído no Rock and Roll Hall of Fame em 2015. Na ocasião, alegou não se arrepender de sua decisão e refletiu sobre sua vida posterior: “Sempre fui sério assim, tentando evoluir para um estado mais consciente. Sempre desejei menos luxúria, mais compaixão, menos ciúme. Creio que é preciso ajustar esses botões até chegar às configurações originais. Em certo sentido, as configurações originais são exatamente o que estou procurando – um retorno ao cara tranquilo. Eu era assim antes de meu mundo ficar complicado. O cara legal que aceitava as coisas como elas surgiam e ria tanto que a tristeza ia embora com o vento do verão.”

via African and Black History AfricanArchives

Um programa luminoso

Vale não estar familiarizado com música contemporânea para assistir a “Ligeti, Jocy e Varèse” no Theatro Municipal de São Paulo. A paixão vem, mesmo sem esperarmos por ela.

William Eddins,
o maestro deslumbrante

O programa perfeito para este sábado está no Theatro Municipal de São Paulo, onde tem lugar “Ligeti, Jocy e Varèse” às 17h.

Razões. É a Orquestra Sinfônica Municipal com seu corpo sonoro impressionante. É a ação do maestro estadunidense William Eddins, sua competência, o sorriso, o humor e a entrega contínua de um grande talento. É a presença desta cantora extraordinária do repertório contemporâneo, Gabriela Geluda. É a obra da paranaense Jocy de Oliveira, 87 anos, pioneira da música contemporânea que o mundo aplaude e nós deveríamos conhecer melhor. E é também a obra de outros três grandes, Ligeti, Varèse e o Tchaikovsky valseador da Quinta Sinfonia, tudo numa programação só.

A cantora Gabriela Geluda,
um talento excepcional para as assimetrias contemporâneas

Saí da noite de estreia como quem ouve de novo, vê de novo, envolve-se na música pela primeira vez. Grande Geluda para interpretar essa peça extraordinária de Jocy de Oliveira, “Who cares if she cries?”, de 2003! Um sentimento profundo, uma arte milimétrica, o corpo todo presente na voz. Há 28 anos ela trabalha com Jocy como soprano solo de suas óperas. Apresentou obras da compositora no Brasil, na Alemanha, na Argentina e na França. Protagonizou o filme “Liquid Voices”, premiado em festivais de cinema de Israel, da Polônia, do Chile, da Inglaterra, da Espanha, da França e dos Estados Unidos. Participou da remontagem da ópera “Einstein on the Beach”, de Philip Glass e Bob Wilson, no Baryshnikov Arts Center de Nova York, sob orientação do próprio Bob Wilson. Com bacharelado em canto lírico pela Unirio e mestrado em música antiga pela Guildhall School of Music and Drama (Londres), Gabriela também é qualificada como professora da técnica de Alexander pelo Alexander Technique Studio (Londres). Essa formação é a base do trabalho de integração corpo/voz que desenvolve e aplica em suas práticas artísticas e didáticas há mais de 20 anos. Paralelamente, produz e realiza projetos de música de hoje.

A compositora Jocy de Oliveira explica “Who cares if she cries”, conforme está no programa: “O título desta peça é retirado da letra de uma melodia anônima, elisabetana, do século XVI, que se refere à Ofélia de Shakespeare. A parte vocal é construída por pequenos eventos, citações de textos operísticos e interferências musicais ao discurso instrumental elaborado pelas cordas. De maneira a proporcionar melhor ressonância do instrumento, quatro violoncelos têm uma diferente afinação, mais grave, incluindo quarto de tom. Sem uma métrica restritiva que se estende a uma dimensão mais ampla da noção de tempo, a parte orquestral explora dimensões e técnicas estendidas dos instrumentos através de ‘drones’, que se intercalam por rápidos ornamentos enunciando melodias que nunca chegam a ser reveladas”.

A brasileira Jocy de Oliveira,
leitura contemporânea para uma inspiração elisabetana

Situada na primeira fila, ouvi e vi a interpretação fabulosa de Geluda como se meu corpo sentisse as dores dessa intensa personagem de Jocy, seu choro perplexo, desacreditado de ajuda. A compositora, presente no teatro na sexta 4, foi bastante aplaudida.

Integrante vitalícia da Academia Brasileira de Música, detentora do título de doutor honoris causa, Jocy de Oliveira é pioneira no trabalho multimídia no Brasil envolvendo música, teatro, instalações, texto e vídeo, sendo a primeira entre os compositores nacionais a compor e dirigir suas nove óperas. Como compositora e pianista, gravou 25 discos no Brasil, no México, nos Estados Unidos e na Europa. É autora de cinco livros (“Diálogo com Cartas” recebeu o Prêmio Jabuti de Literatura). Como pianista, foi solista sob a regência de Stravinsky e apresentou diversas primeiras audições de compositores que a ela dedicaram obras, como Iánnis Xenákis, Luciano Berio, Claudio Santoro e John Cage. Foi solista sob a regência de maestros como Eleazar de Carvalho, Lukas Foss, Sixten Ehrling e Robert Craft, à frente de orquestras como Boston Symphony, Orchestre Philharmonique de Radio France, Oslo Philharmonic e Orquestra Municipal de São Paulo.

Que ocasião para Gabriela Geluda interpretar György Ligeti (1923-2006), um dos mais importantes compositores de vanguarda da segunda metade do século XX! Uma peça às vezes onomatopaica, com a marca persecutória de quem mergulha em uma sociedade do caos. Para interpretar, Geluda apresenta-se vestida como uma espécie de Barbie…

Ligeti partiu da influência de Béla Bartók e Zoltán Kodály para desenvolver um novo estilo, caracterizado por uma densa polifonia que se tornou mais melódica nas obras dos anos 1970 e, a partir da década de 1980, desenvolveu uma técnica polirrítmica complexa. A sua fama foi intensificada pela utilização de suas composições nos filmes de Stanley Kubrick “2001: Uma Odisseia no Espaço”, “O Iluminado” e “De Olhos Bem Fechados”.

Sobre Edgard Varèse (1883-1965): compositor estadunidense de origem francesa, utilizou meios eletrônicos na produção sonora. Buscou novas fontes de sons, trabalhou com engenheiros e cientistas. Seu conceito
de “som organizado” influenciou muitos experimentos em forma e textura. Passou parte de sua vida em Paris, Borgonha e Berlim, emigrando para os Estados Unidos em 1915. Fundou a New Symphony Orchestra, a Associação Internacional de Compositores e a Associação Pan- Americana de Compositores.

E William Eddins? Muito talento. Carisma para dar e vender. Ele faz os instrumentistas da Orquestra Sinfônica Municipal se abrirem em empolgação e sorrisos.

Eddins é o diretor musical emérito da Orquestra Sinfônica de Edmonton e um maestro frequentemente convidado de grandes orquestras em todo o mundo. Compromissos recentes incluem a regência da Philadelphia Orchestra com Yo-Yo Ma e apresentações com a Detroit Symphony e a Minnesota Orchestra em parceria com Wynton Marsalis da Jazz at Lincoln Center Orchestra. Eddins regeu a Filarmônica de Nova York, a Filarmônica de Los Angeles, as sinfônicas de St. Louis, Boston, Cincinnati, Atlanta, Detroit, Dallas, Baltimore, Indianapolis, Milwaukee e Houston. Internacionalmente, Eddins foi o principal maestro convidado da RTÉ National Symphony Orchestra (Irlanda). Também regeu a Staatskapelle Berlin, a Berlin Radio Symphony Orchestra, a Welsh National Opera e a Royal Scottish National Orchestra. Os destaques da carreira incluem levar a Orquestra Sinfônica de Edmonton ao Carnegie Hall em maio de 2012 e liderar a Filarmônica de Natal em turnê na África do Sul com a soprano Renée Fleming. Pianista talentoso e músico de câmara, rege regularmente ao piano obras de Mozart, Beethoven, Gershwin e Ravel. Eddins já se apresentou no Ravinia Festival, no Aspen Music Festival, no Hollywood Bowl, no Chautauqua Festival, no Boston University Tanglewood Institute e na Civic Orchestra of Chicago.

Casa de Francisca, ouça aqui

Adriana Moreira na Casa de Francisca em 23 de junho de 2023

Eu morro de amores, como qualquer paulistano necessitado de música, pela Casa de Francisca, lá na Quintino Bocaiúva. É um lugar com tantas histórias. Quando criança, por exemplo, eu buscava naquele endereço, entre outros locais do centro, minhas partituras para o estudo penoso do piano clássico.

E hoje fui a esse espaço, tornado localidade para shows, com toda a dificuldade que isto representa (o centro de São Paulo, especialmente à noite, sangra só). A grande sambista Adriana Moreira brilharia naquele palco com sua voz. E ela é tudo, sejamos sinceros (vida, beleza), enquanto me ponho a considerar: valorizamos Adriana como deveríamos? Ou qualquer outra intérprete brasileira recente? Por enquanto, só a Monica Salmaso, depois de 40 anos de carreira, parece desfrutar de reconhecimento desejável – e isto não apenas por suas imensas qualidades, mas por ter ganhado a chance de rodar em turnê recente com o Chico Buarque.

Adriana e seus Moreiras – os filhos Pedro, no trombone, e Rafael, na percussão – dão mais que o recado sambista na Casa de Francisca que ontem eu vi. Dão seu coração, sua ancestralidade, a nós que passamos por aquele local, tantas vezes, apenas pela quase certeza de experimentar o alívio para nossas últimas dores. O meu país é meu lugar de fala, lembra Adriana em seu show, um país que ainda soa rouco, viciado unicamente nos amores antigos da nossa grande música popular de sempre.

Então é com muito carinho que dirijo à Casa de Francisca minha preocupação como frequentadora. Tornou-se um lugar algo triste para quem o procura como público. Eu poderia dizer que a organização ruim, o serviço atrapalhado, cansaços visíveis, sugerem uma espécie inicial de abandono?

São pequenas grandes coisas somadas. As cadeiras onde nos sentamos ao fundo, por exemplo, para que nos sirvam, notadamente exigem conserto. Sim! Uma pessoa de minha idade, ou mais nova que eu, merece sentar-se com conforto, sem afundamento, para usufruir, livre da possibilidade de dores pelo corpo, o maravilhoso som que sai do palco.

Não mereceríamos um toalete de meninas diferente daquele que vi hoje, onde um entupimento gasoso passeia por nossos narizes incessantemente? O banheiro precisa apenas de manutenção, não deve ser difícil fazer.

Até parece que o olho do dono lhes falta. Ou um olho de amor. A comida ainda é boa, e os garçons se viram como podem diante da imensa demanda. Mas na noite de Adriana, por exemplo, fui informada de que não poderia ir ao banheiro sem antes pagar a conta da noite no próprio salão. Claro que havia outros antes de mim… Foi cômico, pra não dizer ruim!

Falo tudo isso como se fizesse uma caricatura, como se enviasse um sinal. E a Casa que entenda como achar preferível. A vida é curta e, como em tudo, precisamos experimentá-la com gosto para que surja o grande sabor.

VALEI-ME, HOMEM-PÉTALA

Vinha com uma saudade imensa de Djavan, que afastei da minha vida após a treta de ele apoiar o verme.

Mas hoje eu o ouvi pela manhã e pensei: caramba, esse sujeito ama demais…

E então passei a fabular que um homem-pétala como ele não apoiou verme coisa nenhuma, apenas se expressou mal.

Porque, no sentido estrito, quando foi mesmo que Djavan se expressou bem, racionalmente, escorreitamente bem?

Valei-me!

Pode ser que ele não tenha entendido a própria opinião, já que em tudo o que faz fica faltando um pedaço toda vez.

E é justamente isso que eu amo e de que preciso na canção. Preciso de canção! Preciso que ele, que Luiz Melodia corra em círculos e me deixe completar os espaços, elaborar uma ordem nas suas imagens, essas que ainda se materializam em todos os momentos cor de sangue da minha vida.

Caçadores do ambíguo, do contraditório, do imperfeito, fotógrafos de rua, como entendo! Fotografar os sentidos, esse é o segredo que não pode morrer com eles…

O cio vence o cansaço, sim.

Mas hoje as letras de sucesso da indústria cultural, da música agrobrasileira, são mesmo as trevas, um vazio, um estupro, e eu sempre me pergunto: o Brasil quer mesmo ser arrebentado?

“Me dá logo aí, ô dona, enquanto eu bebo minha Stella, tô atrasado pra Dubai”?

Até parece que há um Brasil sem tempo pra poesia, um Brasil precocemente ejaculatório dos infernos, que até o momento impõe seu ritmo breve…

Tô fora desse Brasil!

Tô em Resende macaleando & djavaneando meu mundo-melodia, o que há de bom.

Estou no hoje-djavan como no hoje-Saulo Duarte, no hoje-Negro Leo, no hoje-Kaboom 23, hoje-MAô, hoje-Kafé, no hoje-Zeferina, no hoje-Lia de Itamaracá!

Arrebentar, só o mar!

Um país em porções

Quando eu era criança, uma festa igualitária rolava no rádio. O ouvinte pertencente a qualquer classe social saberia existir naquele momento, fazendo música no Brasil, tanto Chico quanto Caetano, Gonzaguinha quanto Zé Rodrix, Waldyck Soriano e Bethânia, Rita Lee, Raul Seixas, Ivone Lara, Tonico e Tinoco, Originais do Samba, Clara Nunes, Gal, Moraes Moreira, Beth Carvalho, Roberto Ribeiro…

Sabíamos desses e de tantos outros! E o público para cada um e para todos encontrava-se nas intersecções.

Ontem peguei um uber no momento em que o gentil motorista de boné, situado na Band, acompanhava as dez canções mais pedidas do dia. Apurei meus ouvidos e nada. Nunca soube daqueles sucessos, de qualquer banda a interpretá-los, nenhum mísero nome de compositor!

Me dei conta então, dolorosamente, do quanto estamos separados nos últimos anos por esta indústria agro-cultural incessante… A atualidade que ouço, e ouço bastante, não está lá, embora mais que merecesse estar. Ela não entra na Bandeirantes, na rádio popular. Está escondida, sequestrada, inalcançável aos ouvidos gerais.

Somos mesmo um país aos pedaços, servido em porções.

Iara Rennó, o deslumbre

Iara Rennó, musa e estrela de “Oríkì”, um show de arrepiar no Sesc 24 de Maio até domingo 28, às 18h

Iara Rennó é só luz pra mim. Amo cada show, cada uma de suas pronúncias. E este “Oríkì”, no Sesc 24 de Maio até amanhã, domingo 28, segue aquela maravilha de sua escrita, desta vez com uma narrativa sobre os orixás.

Com essa banda, com esse figurino, todo o esplendor

Tudo se encaixa. A banda é inacreditável e o figurino obedece a um outro mundo de beleza e significados. Não percam! Mas tenham paciência com o tratamento que o técnico de som deu a esta história. O som embola, é alto como se seu destino fosse a avenida, e frequentemente não compreendemos as belas letras. Corram lá, de todo modo, porque é preciso. Iara, parabéns! Iara merece. 💜