o local da votação é tão longe que vou de carro.
chego com minha bengala de quatro pés.
subo os três andares bem devagar, pois no colégio não há elevador.
voto de pé.
diante da urna, fico primeiramente atrapalhada, depois risonha.
ouço a campainha de programa de calouro ao final de cada decisão que eu tomo.
os candidatos, uns números.
desço três andares de volta com vontade de correr.
a escola pública é tão linda, anos 70, quem sabe.
quase fico por lá mesmo até o horário de votação se encerrar.
essa quadra toda enredada que existe nela, isso não faziam na minha infância.
quando a gente chutava a pobrezinha pro outro lado, tinha de ir lá buscar.
ninguém no meu bixiga conhecia condomínio e vivíamos pela rua mesmo, brincando de esconde-esconde atrás ou embaixo dos carros estacionados.
bola não era preocupação porque brotava.
fecho os olhos e estou jogando queimada contra um time que se amontoa.
sou sempre a última a restar nas quadras, muito boa em desviar dos arremessos.
hoje isto mudou.
me tornei um alvo invisível.
as bolas batem direto em mim.
vejo eleitores com camisa do pt e de movimentos sociais.
novos, velhos, humildes.
saboreio a eleição do conselho tutelar porque algo nela se liga a meu passado.
e eu ainda não sei se é náusea o que sinto de imaginar o futuro.
o presente é o melhor presente.
a democracia se parece com a gente.
florzinhas vermelhas empertigadas e solitárias nos vãos dos cacos dos quintais de paulista.