para furar nossos olhos

Eu me lembro que, jovem, não morria de amores por homem bonito, não. Nem queria saber. E nem eles, é verdade, queriam saber de mim. Homem bonito não servia pra nada, enrolado em si.

A gente chamava os meninos de Alain Delon pra sacanear, especialmente quando eram feios e se achavam, ainda por cima.

Cresci e me amedrontei de Delon porque não era um ator deste mundo. Sem medo algum. A câmera que se virasse em segui-lo. Não se submetia a nada, furava nossos olhos de espectadores e seguia na maior calma.

Valerio Zurlini o chamou pra trabalhar com ele naquele monumento que foi “A Primeira Noite de Tranquilidade”, queria estar com seu aparato de arte pra discutir o papel, jantar e almoçar, e qual o quê. Delon ia dormir.

E depois, como todo homem bonito demais, varou as mulheres sem qualquer preocupação, até prometendo amor. Romy Schneider, Mireille Darc, Norma Bengell, vixe! E talvez se apaixonasse mesmo por elas por muitos segundos intensos. Com Monica Vitti, eram dois moleques em cena, uma entre mil razões pelas quais acho a Vitti um caso tão especial, pra não dizer sozinho.

Pra mim, Delon é um italiano de alma, e dos brabos. Com a imensa vantagem de não ser um italiano de verdade, com todo o meu perdão aos italianos, eu que sou neta de um Danielle que conquistou minha vó Guilhermina lá dos Açores justo por ser, no entendimento dela, um veneziano bonitão.

Eu tive amigos capazes de delonizar o coração da gente não por serem bonitos como ele, mas por nos arrastarem até seus olhos, mesmo em situações inglórias, sei lá, debaixo de um erro colossal como o Minhocão. Homem bonito é uma qualidade interior. Encontro bonitos todos os dias na rua e meu facebook está cheio deles. Mas são sacanas, ousados diante desta vida miserável que vivemos, como o Delon foi?

Então, adoro falar dele como amo gastar algum minuto a pensar em Sidney Poitier, Geraldo del Rey, Paul Newman, homens tão maravilhosos do cinema. Tenho certeza de que se tornaram bem mais interessantes quando envelheceram, sabedores. Ninguém mora com alegria nos palácios do passado, a menos que desista do encantamento da vida, como Delon desistiu.

só um pouco mais, delon

sim, Delon, você tem razão quando diz que envelhecer é uma merda e que tem o direito de escolher, por meio da eutanásia, o momento de partir.

certeza que não chegarei a seus 86 anos e que se tivesse sido você nesta vida muito teria lamentado a perda do meu rosto magnífico, da minha sabedoria nascida nos arrabaldes, do meu olhar sem fim.

desejo-lhe o melhor processo para que sua tristeza atual acabe, mas por meu egoísmo, por reconhecimento de seu imenso talento e de sua presença na arte e no sonho, desejo também que fique entre nós e que possamos ouvi-lo ainda um pouco mais.

A leopardia de Delon

Alain Delon: máxima beleza, delinquência, caça

Uma vez ensaiei escrever por aqui o que tornava Alain Delon um homem tão bonito pra mim… Eu via razões, digamos, multiplicadas como os raios solares.

Daí uma amiga dessas executivas muito importantes e pragmáticas da universidade perdeu a paciência: é bonito porque é bonito, ora.

Mas não, né? Não comigo. É claro que eu vou tentar compreender melhor como a coisa funciona (e só comigo, entendeu?). Vou olhar a beleza de frente, como disse a querida Eliete Negreiros. Não tenho muito mais o que fazer, rs. E se quer ser minha amiga, me aguente, ora.

Poitier, um juiz para nossa alma imoral

É tanto homem bonito no cinema. Escolho os primeiros que me vêm. O Sidney Poitier, por exemplo. O Paul Newman. Geraldo Del Rey. Toshiro Mifune. E até nesse Henry Carvill, estrela dos pobres de hoje, é possível vê-la.

Carvill: ele quer te abraçar

Carvill é o bobo que pede cuidados, como se fôssemos nós a fulminá-lo. Sua beleza pressupõe o abraço.

Newman, só sensualidade
Del Rey, o tímido translúcido
Por que tanta
pressa,
Toshiro?

O Paul Newman veste o erotismo sem vicinais. O Del Rey, o translúcido, é também o tímido, o distraído. O Poitier olha de um pedestal e, com profundidade, crava nossa alma imoral. O Mifune quer resolver tudo logo e fica lindamente engraçado nessa pressa de se impor, que ele nem precisava ter.

Mas o Delon, olha… O Delon é só desafio. Competição. Vou chamar isso de leopardia. Como se ele nos dissesse: venha, venha você e você, vou lhes derrubar um a um. Com a pele forjada na delinquência das ruas, os olhos em fulgor, inspeciona, calcula e caça em poucos segundos de câmera. Aposto que este homem nunca plantou um tomate na vida.

Para além de todas as qualidades, essa é uma não-qualidade, uma força irresistível… que move o observador diretamente para a armadilha.

Nem me arrisco a falar muito sobre mulheres, embora outro dia eu tenha dito o que penso sobre o fator Chantal Akerman de atração. Quando viajo em torno delas tem sempre um eco sem noção no face de meu deus pra tentar desqualificar minhas tentativas. Homens são colibris desajeitados…

Ao cinema, gente!

É fim de semana.

Escolham bem.

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Get lost

A foto que sempre retorna pra gente sorrir, pra matar a inveja que temos dos grandiosos, pra liberar a eterna opressão de sermos sempre esmagados, os últimos mesmo nesta vida…

Não adianta você ser esse Mick Jagger tão especial, o mais cool deste mundo, com suas meias de cores diferentes e sua linda calça cor de rosa: você em algum momento vai ter, sim, a atenção roubada pelo careta mais lindo vestindo um brilhoso terno modelo antigo.

Meus olhos para Salvatori

Renato Salvatori, Luchino Visconti, Claudia Cardinale e Alain Delon no set de “Rocco e seus Irmãos”, que completa 60 anos, com Cardinale e Delon ainda vivos.

Claro que meus olhos de mulher se atraem sempre por Delon, dublado neste filme. Mas, em “Rocco” como em outros, sou mais o grande e belo ator Salvatori.

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