Engasgados na conjunção

Os textos jornalísticos de alguns portais existem por si, sem se importar com quem os lê.

A moda por lá é enfileirar a conjunção “que” em orações infinitamente subordinadas.

Imagino que emendar uma coisa na outra ajude a quem tenha pouco tempo pra escrever e publicar.

Porém, fica feio. A gente engasga de ler aos socos.

Já temos tantos problemas!

Como cheguei à flânerie na Paris de 1990

Fiz jornalismo cultural a maior parte do tempo em que exerci a profissão, sempre a sofrer imensos problemas de saúde decorrentes dessa escolha, depressões, gastrites, síndromes irritáveis, cáries… Minhas complicações com o jornalismo brasileiro sempre foram totais, giraram em torno de seu modo de ser, de haver e de se impor a mim, fosse por assédio moral e sexual dos superiores ou por implicância com qualquer coisa que eu escrevesse e propusesse, como uma vez fizeram troça da minha ideia de falar sobre dança numa edição de quarta-feira…

Por exemplo, eu era bem jovem, 26 anos, quando me vi fundadora e editora de um caderno cultural. E depois de certo tempo a sofrer o de sempre, pressões e enxovalhos, pedi demissão do tal jornal. Nessa época ainda era possível requerer a um patrão que nos demitisse e ele aceitar isso, o que permitia a nós, demissionários, retirar nosso fundo de garantia (isto se o empregador tivesse depositado o valor devido todos os meses…) e usá-lo de nosso jeito. Demiti-me em 1990 e planejei a primeira viagem à Europa.

Ao comprar dólares com o valor da rescisão, vivi minha grande sorte. Quando Fernando Collor assumiu a presidência, eu me tornei quase a única pessoa com dinheiro no Brasil. A besta quadrada collorida, que mal andar sabia, não conseguira confiscar meu dinheiro! E assim fui a Paris, depois ao interior da França, ao litoral e ao norte da Itália, deslumbrada com tudo, visitando, fotografando, comendo e bebendo com prazer desse privilégio. Já sem um tanto desse dinheiro, retornei depois de um mês de viagem à mesma Paris por onde comecei. E lá morei mais um mês em troca de cuidar do filho pequeno de uma família que esperava outro nenê.

Neste mês a viver por ali com meu francês ruim, senti toda a ojeriza do parisiense a pessoas “inferiores” feito eu, ainda por cima em ousada flânerie. Uma vez passeava sozinha pela avenida Champs Elysées e uns jovens baixinhos italianos começaram a me cantar e a me sorrir. Eu tinha pernas bonitas e nem sabia mais o que fazer para afastá-los, eles que me perseguiam pela rua, quando o menorzinho se aproximou, me perguntando de que região da Itália eu era: “Di Napoli? Di Roma?” E então achei um jeito de me livrar deles, sorrindo também: “Sono brasiliana!” Fugiram de imediato de mim, e até hoje me divirto em pensar que talvez tivessem me achado uma travesti brasileira alta, muito da bonita e elegante.

Bem, continuei andando tranquilamente, às vezes sob olhos ruins, pela rua e de metrô, embora uma noite tenha sentido como ameaçadora a presença de um homem em um vagão vazio. Paris pode nos abraçar como não desejamos…

O resto dos meus dias foi no parque com o bebê de um ano, assistindo a shows como o de Marianne Faithful no La Pigalle ou andando pela cidade com minha câmera fotográfica analógica Yashica, que comprei graças à contribuição monetária do meu amado tio Bissa, seu presente a mim antes de morrer com câncer. Eu mal sabia focalizá-la direito manualmente, a única opção de foco que tinha.

Fotografava bobagens que poderia ver nos livros, quadros e esculturas do Louvre ou do d’Orsay, e às vezes, um pouco temerosa, a rua em si. Hoje meu filho descobriu um álbum pequeno com essas fotos em papel e me mostrou. Fotografei um sem-teto, clochard embriagado que fechou os olhos ao protestar contra mim diante da câmera, o clássico descanso ao sol das famílias no Jardin de Luxembourg, um elegante jogo de cartas à sombra das árvores, a fachada de um cinema de arte, as esculturas representando Marcello Mastroianni e Massimo Troisi em “Che Ora È?”, filme de Ettore Scola de 1989 que os franceses chamavam de “Quelle heure est-il?” (assisti à ficção atraída pela vitrine e a saudade da Itália me pareceu imensa…)

Entre as fotos, havia ainda a tímida tentativa de mostrar um homem a passear com uma mulher na cadeira de rodas, o céu de maio sobre o qual se formavam nuvens finas e, sim, o estranho veículo conduzido por jovens que sugava das calçadas o cocô dos cães…

Antes que eu empreenda novas buscas por esses arquivos, mostro-lhes estas imagens sentimentais.

O clochard embriagado fecha os olhos ao protestar diante da livraria
O clássico descanso ao sol
no Jardin de Luxembourg
O elegante jogo de cartas
à sombra das árvores
As esculturas representando
Troisi e Mastroianni em “Quelle heure est-il?”, na vitrine do cinema
A fachada de um cinema de arte
Um passeio bem assistido
O céu de outono
O veículo que chupava o cocô dos cães

A emoção terrena

É bem verdade que não se faz mais jornalismo sem fotos com drone. Nas manifestações, só eles comprovam a multidão de verdade, coisa que antes se obtinha a uma distância pouco cósmica, posicionando-se à janela alta de um prédio próximo.

Os drones espaciais nos deixaram saber, ontem, que muitos e muitos seres humanos, como num imenso formigueiro de paz, recuperaram, para uso justo, a bandeira do Brasil.

Mas minha alegria veio de verdade quando as fotos foram pouco cartográficas. As imagens dadas no corpo a corpo, em terra, como essas que vocês fizeram, mostraram os homens no teatro da vida, os tipos simples, fantásticos, com suas cabeças de pássaro, os cocares guajajara, os ternos brancos da malandragem, as camisetas com opções políticas, às vezes filosóficas, os cartazes de mão. As crianças estavam na escola, que pena, não puderam estar lá!

Foram essas as fotos que me deram a perspectiva humana dos arredores, de quem esteve no largo mas nem pôde ver a cerimônia de perto, fotos de quem se misturou e festejou a democracia do seu jeito, naquele espaço onde quatro anos atrás reinaram as serpentes janaínas que interromperam um sonho de nação.

Obrigada a quem esteve no mesmo lugar ontem com renovados propósitos e nos colocou lá dentro (nós, os distantes) para celebrar a seu lado!

Ubertales – Invocando Charlton Heston contra Fiúza

A cena. Eu na porta do consultório, de pé, com bota e uma bengala, à espera do uber que me trará de volta pra casa. O uber chega pela outra mão da rua, eu grito pra ele retornar até o endereço pedido, onde me encontro. Não só não retorna como estaciona do lado de lá, na esquina da rua, e me espera. Tenho de atravessar e andar de bengala até a esquina (ou vou chamar outro carro e me cobrarão taxa de cancelamento). Entro no automóvel do senhor idoso, que diz: “Desculpe, não vi a senhora lá.” Ah tá. No carro, rola rádio Jovem Pan. Seis horas, momento de “debate”, e alguém grita que Lula Comunista quer a Ditadura do Proletariado. Qual a opinião do candidato sobre o “absurdo” Moraes no TSE? Fala, Fiúza! E Fiúza, em resposta, começa por adular, rolando lero, um jornalista da bancada que acaba de perder o filho. Depois, o de sempre. A caterva dos petistas! Meu celular velho fica sem serviço o tempo inteiro, quarenta minutos. Nada que eu possa ouvir pelo spotify como alternativa caridosa. E a loção do motorista vai me impregnando. Abro a janela inutilmente, em busca de respiro. Fantasio descer ali mesmo, na avenida 23 de Maio do rush, e com minha bengala abrir caminho, feito o Charlton Heston nos Dez Mandamentos. Por que os bolsonaristas não limpam os focinhos?

Mandioca, doce vingança

Eu queria ser melhor do que sou. Melhor no sentido de ser pior.

Hoje fomos à feira. Eu parava nas bancas, escolhia e pagava. O que íamos comprar, eu e o Maurício havíamos discutido antes, em casa. Tudo certo. Maior alegria e harmonia acompanham nossa ida à feira dominical, muito boa, aliás, na região do centro onde moramos.

Chegamos à banca de mandioca e o olho cresceu. Não havíamos planejado comprar. O Mau me perguntou se eu achava que combinava com a tainha que ainda iríamos pegar. Pergunta desnecessária, ele sabe. Amo mandioca e pra mim ela combina com tudo.

Decidimos então pegar um saco plástico com pedaços dela já descascada, em água, quando o vendedor da banca, um gordinho de cabelo rente, se aproximou pra sugerir:

– Leva dois pacotes por 12 (!). Se vc não usar o segundo saquinho agora, é só tirar ela de lá e colocar no congelador. Vale a pena. Esta mandioca é uma manteiga.

Pensei: tá cara mas tudo tá caro. E alimenta. E vai durar. E é uma manteiga! Compro.

Ele fez menção de estender a máquina do cartão pro Maurício, o “doutor”, pagar. E eu brinquei, já que meu marido gentilmente segurava as sacolas, e eu, não ele, seria a pessoa em condições de manejar o cartão:

– Eu que vou pagar. Eu que sou a doutora aqui rs.

O vendedor fechou a cara rotunda e com seu jeitão miliciano mandou ver:

– Eu sou doutor, ele é doutor, todos somos doutores perante deus, o salvador, ele que está acima de todos nós, ele que nos guarda, o todo-poderoso, valei-me senhor, bom domingo.

Já tinha pagado a bonitinha, então levei. Não era manteiga, não. Mas serviu.

Jamais compro com ele de novo, porém queria ser má o suficiente, a pior do mundo, pra tretar com esse machista evangélico da próxima vez.

– Tem mandioca manteiga de verdade agora, meu velho? – eu diria. – Ou vai me devolver o que paguei a mais por aquela da semana passada, que levou horas pra cozinhar no fogão?

Quem dera esses inomináveis se fodessem muito em outubro. Mas não morro de esperança. São atrevidos, babacas e violentos até o fundo do seu ser, que é um não-ser, com toda a sua comunidade igrejeira de não-existências. Vou ter de ser muito pior do que sou pra lidar com eles.

Mas como?

Hei de descobrir.

A elegância é uma ideia

Ele estava próximo de uma academia de ginástica e o rosto era inchado, vermelho. Embriagado crônico, fácil perceber, mas acreditei não se tratar de um sem-teto, pois os tênis pareciam bons, até lustrosos. Então ele apenas bebia com os amigos, quase na sarjeta.

Eu passei colorida, bata e calça, os cabelos brancos soltos, carregando sacolas de supermercado. Ele decidiu dizer:

– Ficou muito elegante, senhora, mesmo!

Sorri por baixo da máscara, continuei andando. Mas ele me seguiu e parou na minha frente:

– Desculpe ter falado assim, mas a senhora está elegante mesmo, olha, vou dizer!

– Eita que eu acredito no seu julgamento, hein?

– Senhora, eu não julgo ninguém!

– Ah, que bom. Mas se sou elegante, vc é mais. Gostei das tattoos, da pulseira de couro larga. E essa bermuda cargo com a regata Suicidal Tendencies, tudo preto, ficou massa.

– Eu não sou elegante, sou um perdido! Mas a sua elegância está demais. Sabe Highlander? Highlander, eu juro.

Não entendi bem. Talvez eu precise mesmo pintar o cabelo e cortar. Mas o fato de alguém ter me percebido na rua me deixou surpreendentemente alegre. Me despedi.

– Meu querido, obrigada, fique bem, ganhei o dia!

No olho da fera

sim, é uma cidade com travas cotidianas propositalmente irresolvidas e uma escala de desigualdades sociais que toca a imensidão.

mas é minha cidade.

por ela respiro, sinto sua dor e seu olhar, este que solicita minha meditação e meu percurso.

amo São Paulo, amo sem fim, os becos, as armadilhas, os rios que pedem libertação, os corredores em que aguardam por um desfecho os suicidas e os amantes.

os paulistanos são seus problemas. aos cafonas, sua cafonice.
aos marginais, meu abraço forte inclusivo, meu sangue sendo o sangue de vocês.

Meta-aversão

Jane Wyman em “Tudo que o céu permite”, de Douglas Sirk, 1955

Hoje percebi uma coisa difícil de dizer. Até porque ninguém parece acreditar em mim. Mas eu não me importo mais de estar só. Não que esteja completamente sozinha, é claro. Tenho a grande sorte de viver com a família que amo. Mas admito que construo uma espécie de solidão íntima ao lado de todos.

Estou só, mas intermediada. Vivo do que vejo. De minhas telas, várias: a janela de meu apartamento que mostra a cidade desde o alto, a tevê que concretiza os filmes, o computador que me permite acompanhar palestras e escrever textos, o celular que me dá o prazer das fotos e do bate-papo com uns queridos à distância. E todas as telas que são páginas.

Me encaminho para uma espécie particular de metaverso, creio, desde a eleição do monstro e da pandemia.

Devo me assustar?

Criei aversão ao mundo lá fora. Seria, então, uma meta-aversão. Toda a miséria da rua me machuca. Não consigo dizer não a tantos que me pedem sim.

Em casa, contudo, na solidão construída, posso viajar. Do Japão da era Edo aos chineses em Mogi, da excelência cômica às lágrimas nos rostos de Douglas Sirk. Sou realizada com os sentidos que crio para as coisas. Fantasio pra não morrer.

Sozinha, até me reconheço no espelho. Vejo alguma beleza neste rosto velho, que lá fora parece causar eterna indiferença. Sozinha, sou cantora dos meus tons, fã de purê de batata e melancia, feliz na rede e no sofá.

Lá fora, enquanto isso, não tenho palavras pra instaurar alegria ou pra cessar a tristeza dos outros. Nem carisma nem dinheiro a oferecer. Às vezes, quando dou moedas a alguém, jogo um beijo através da máscara e sou bem retribuída – até parece que o beijo valeu mais que o troco. Mas em outras ocasiões, nada. Pegam a marmita de comida e nada. E o que sou torna-se mais um lugar para o nada acontecer.

A pandemia vai passar, o verme vai passar. Até lá, a aversão sairá ou ficará? Será o tempo de ver o que restará de humano em nós. Em mim.

O que aconteceu com as irmãs Curi

Minhas tias-avós Maria e Vitória eram tão desiguais que talvez tenha sido exatamente isso a mantê-las inseparáveis

Maria e Vitória, as irmãs Curi

Minhas tias-avós maternas da familia Curi, Maria e Vitória, tinham a vaidade compulsória da juventude. Nasceram no Maranhão, filhas de migrantes árabes, fãs ardorosas de bijuterias e tecidos, ou “cortes”.

Tia Maria era uma espécie de vulcão. Lá pelos 20 anos, nos anos 1920 desta foto, de tanto amar Hollywood, e desagradada dos próprios dentes em relação ao das estrelas, convenceu o dentista da família a arrancar todos eles. Em seu lugar, eternizou-se em sua boca uma dentadura reta e alva, trocada de tempos em tempos. “Fiquei linda!” – me contava sempre, como quem declamasse no palco grego.

Nunca se casou, mas até os 80 anos imaginou que isto aconteceria a ela inevitavelmente. Lembro-me de vê-la, aos 60, num vestido de tule verde à saída da missa de domingo no Tatuapé – e ela a me explicar que o vestido era para Jesus primeiramente, mas, em segundo lugar, para o homem indefinido que apareceria, se apaixonaria por ela e a levaria ao altar.

Nós a visitávamos aos domingos naquele bairro paulistano, para onde íamos de ônibus elétrico desde o centro, numa viagem demoradíssima. Lá Maria morava com as duas irmãs e os três irmãos, todos solteiros.

Dois dos homens eram feirantes. O mais velho deles, Fuad, muito próximo de nós, crianças, nos enchia de balas de mel vencidas, é verdade, mas dadas com tanto carinho que nem ligávamos pro sabor. O outro, Alfredo, vendia meias de náilon e, enquanto eu cresci, não parou de presenteá-las nos meus aniversários. O terceiro irmão, Dudu, era incapacitado desde os 9, quando, conta-se, ouviu um grito na noite e nunca mais falou.

No sobrado do Tatuapé, os seis irmãos dormiam em quartos separados – os três homens em um, as três mulheres, em outro. Quase não entrávamos no quarto dos homens, mas no das mulheres eu me sentia numa festa eterna, ao ouvir, durante as sestas, as histórias das irmãs sobre a família.

Maria ia além. Não só falava sobre o passado (e foi ela a me contar que, quando nasci, minha mãe inconformada salpicou um “que feia essa minha filha!”, para me encher de uma tristeza divertida desde sempre), como nos repassava as conversas que tivera com Jesus nas noites anteriores, até mesmo quando já nos tornáramos adultos. Tínhamos de ouvir e seguir o que o filho de deus nos mandara fazer… só que não, né?

Depois de Vitória e Maria, havia Helena, a mais nova, orgulho dos irmãos. Ela não apenas sobrevivera às doenças que mataram na infância sua irmã imediata Hilda e o gozador Luís (este que, no álbum de fotografia, surgia com uma cabeleira encaracolada até a cintura, tipo Luís XIV, em função da promessa materna por sua saúde, algo que infelizmente não impediu a morte da criança aos 7). Helena também tivera a sorte não dispensada ao caçula João, loiro de cabelos cacheados, atropelado aos 6 anos por um dos primeiros carros de São Luís, cidade para onde um casal de amigos de seus pais o levara a passeio. (“Como o senhor pega o meu filho vivo e o traz morto?”, disse minha bisavó ao compadre infeliz).

Vitória, eu e Helena diante do prédio em que morávamos, no Bixiga, em foto tirada por meu pai

Além de passar a perna na morte como por milagre, Helena representava grande orgulho familiar porque, tornada funcionária pública, praticamente sustentaria os outros cinco irmãos até que se aposentassem. Do nada ela apareceu um dia no sobrado com um piano para receber aulas – e eu, que não o tinha em casa, aproveitava os domingos na casa das tias (raramente dizíamos que aquela casa era dos “tios”) para repassar as lições da semana.

Vitória, à direita na primeira foto, era a minha querida, aquela me presenteava com um mussaká só dela, toda vez. Na sua infância, houve abundância familiar, visto que ela fora a segunda entre doze ou treze irmãos e os pais ainda tinham podido esbanjar com sua formação. Deram-lhe um piano para estudar, mas música não parecia ser coisa em que Vitória se aplicasse. Ela gostava mesmo era de ler romances, e para fazê-lo escondia-se atrás do instrumento à noite com uma lamparina, algo que seus pais não aprovavam nem um pouco, castigando-a por seu mau comportamento quando percebiam a ousadia.

Vitória foi crescendo e acumulando pretendentes de que não gostava em absoluto. Enrolava-os todos, negando seus pedidos de casamento, até que nenhum mais aparecesse e ela se visse, sem qualquer problema, como a irmã que cuidaria dos pais e irmãos pela vida toda, visto que minha avó, a primogênita, saíra de casa para se casar ainda adolescente.

Meus irmãos e eu na casa das tias (Maria e Vitória no canto à esquerda), diante do piano de Helena
e do Jesus de Maria

Essa dama brilhante, que nem ligava para sua beleza juvenil – ao contrário de minha tia Maria, que se imaginava bonita sem o ser -, foi minha luz na infância inteira. Muito inteligente, segura, perspicaz, bem-humorada, Vitória suportou as esquisitices de Maria, seus sonhos com Jesus, seu pudim que sempre solava, o tabaco mascado em grande quantidade e um louvor sem fim às garrafas de cerveja, até que Helena morresse algo precocemente. Todos sabiam que Vitória não aguentaria Maria sozinha por muito tempo. Eu ia visitá-la quando soube de sua morte, ocorrida menos de um mês depois que a caçula se foi.

Tia Maria foi a última dos irmãos a partir. Salvou-a, acredito, essa falta de noção em alto nível que a tirava da miséria cotidiana aqui embaixo. Até o fim, tia Maria viveu o céu que lhe coube. E a proximidade com o filho do dono – este ser que sobrecarregava com pedidos e de quem arrancava confidências – deu-lhe, bem antes que à maioria dos seres humanos, a sensação do paraíso.

paulista em linha reta

medo de minha terceira dose de vacina não dar o ar de sua graça infinita.

hoje fui até o posto para tentar me adiantar em uns dias, mas não me deixaram ser injetada.

depois de uma fila daquelas em plena chuva sob a armação do mendes da rocha na praça do patriarca, as pessoas eram vacinadas úmidas.

e os desenhinhos das coroas do corona fazendo a festa sem ter fim? onde estás, leary? d-d-drin?

muitos sonhos serão arrepiantes até sábado.

quantos filmes de Totò terei de rever?

de quantas alegrias instantâneas e enfileiradas precisarei pra assanhar meu sistema imunológico até lá?

a cidade está creepy, mas ninguém dá bola pro medo. me impressionou a quantidade de casais, especialmente de homens, sem máscaras.

blindaram os boys?

todos os paulistas são super-heróis?