O plausível impossível

Respostas cretinas para perguntas imbecis. Este era o nome de uma das seções da revista Mad que ninguém seria louco de perder. Al Jaffee, morto hoje aos 102 anos – e ele deveria ter vivido bem mais -, era seu autor.
O artista fez do humor, sobrevivência. E de forma literal. Atropelou a fome, a miséria e os maus-tratos familiares como se estivesse ele próprio num cartum, forte e invencível.
A seguir, no calor da emoção, mostro a vocês a tradução que fiz do prefácio de Mary Lou Weisman ao livro que Al Jaffee aceitou ilustrar à véspera de completar 89 anos. O livro sobre sua vida. Sobre a dor de viver, transformada em beleza, um dos apelidos do humor.

Prólogo a “Vida Louca (Mad Life) – Uma biografia”, de Mary Lou Weisman.
O “plausível impossível” é uma expressão que se aplica exclusivamente à arte dos desenhos animados. É o “plausível impossível” que faz Pernalonga cair de pé depois de desabar de um penhasco, atravessar um abismo e sair correndo do outro lado, completamente inconsciente do terrível destino que, exceto por uma suspensão mágica e momentânea das leis da gravidade, deveria ter-lhe ocorrido.
É o princípio cômico orientador – ao mesmo tempo emocionante e ridículo – que habita o cerne dessa arte. A suspensão voluntária da descrença tem uma lógica própria. O que mantém Pernalonga no ar, o que torna o impossível, plausível, é ele não olhar para baixo. Al Jaffee demonstrou em sua longa vida, tanto quanto em sua arte, dominar com imenso talento esse princípio.
O artista desfruta de uma relação especial com o plausível impossível. Para ele, é mais do que um termo artístico. É a história de sua vida. Um resumo dos anos de formação de Al parece uma história em quadrinhos de ganchos traumáticos, com desenhos de Jaffee e legendas de Freud.
Al foi separado de seu pai, abandonado e abusado por sua mãe, desenraizado de sua casa em Savannah, Geórgia, criado por quase seis anos em um shtetl lituano e retornado para os Estados Unidos – isto quando tinha 12 anos. Até hoje, ele tem um problema com a ideia de confiança. Al Jaffee acredita que nem tudo vai ficar bem. “Eu experimentei tanta humilhação que me mantive na defensiva. Eu não sou lixo. Eu não sou lixo. Mesmo os sem-teto, os mais humildes, têm um forte senso de dignidade.”
Al usa sua dignidade como uma carapaça, uma cobertura surpreendente, talvez, para um homem que vê o ridículo da vida. “Ele é sempre um cavalheiro, muito bem-educado sem ser rígido”, diz o ilustrador e escritor Arnold Roth, que trabalhou com Al e é seu amigo há décadas. Ainda assim, Roth observa: “Sempre existiu uma tristeza em Al. Havia acordes menores tocando ao fundo. E eu não entendia por quê.”
Nick Meglin, que foi editor de Al e amigo na revista MAD por décadas, ficou surpreso quando soube que um homem engraçado desses emergiu de uma infância tão triste e sem humor. “Como fã, estou tão agradecido quanto perplexo por ele ter feito tudo o que fez.”
A menos que alguém pergunte, Al não falará sobre sua infância – nem sobre os anos de fome no shtetl na Lituânia, nem sobre as indignidades de viver como um cidadão de segunda classe na casa de outras pessoas. “Eu não ofereço a informação. Se alguém a quiser, terá de arrancá-la de mim.”
Sua juventude extravagantemente perversa fez dele o homem que é hoje – um satírico, um artista e escritor, um contador de histórias, um adolescente e um alienígena -, uma pessoa qualificada de maneira única para apresentar aos jovens o mundo da hipocrisia adulta nas páginas de uma revista chamada MAD.

A cara desses bozós dos infernos
No livreto de Márcio Jr, alguns dos aterradores personagens da sanha genocida

Dos livros lindos que recebo.
“Com a palavra (inapropriado para menores de 18 anos, evangélicos e bolsonaristas)” reúne os desafios de Márcio Jr (marciomechanics@hotmail.com) no festival Inktober de 2019.
Márcio Paixão Júnior é desenhista e editor de sua arte na mmarteproducoes@hotmail.com
Suas criaturinhas são os inimigos que disputaremos na fila do soco quando a revolução acontecer.
Bozós, olavos, micheques, malafaias estão todos lá, retratados como se deve.
Liberdade, igualdade, fraternidade, puberdade, obscenidade!
E todos à Bastilha amanhã, s’il vous plait.

autor e editor
Uma live com Paolo Bacilieri, o autor de “Fun”
Aqui, minha conversa com o autor deste grande romance gráfico sobre a história das palavras cruzadas…

André Toral e as histórias indígenas
Quadrinhista e antropólogo lança livro onde reúne hqs que interpretam as narrativas desses povos

Aqui, a live na qual conversamos com André Toral sobre seu livro “A Alma que Caiu do Corpo”, pela editora Veneta, em torno de histórias sobre os indígenas brasileiros.
André Toral fala em live sobre “A alma que caiu do corpo”, seu novo livro
A seguir, a live de que participei com o pessoal da página “Viagem ao Fundo do Baú” sobre o mais recente trabalho do artista, antropólogo, professor e pesquisador André Toral.
Foi imenso.
Uma conversa com Marcello Quintanilha sobre seu primeiro romance

Convidada por Francisco Ucha e acompanhada por Ana Gisele França, Toni Rodrigues e Rui Brito, converso aqui com o quadrinhista Marcello Quintanilha sobre seu primeiro romance, “Deserama”, pela editora Veneta.
Uma conversa deliciosa, reflexiva, solta e risonha.
Não reparem!
Por Drucker
Mort Drucker, que morreu agora, era o responsável pelas paródias de filmes da Mad. Lá na minha adolescência, líamos a revista, mas nem sempre tínhamos dinheiro para os filmes. Então nós os conhecíamos primeiro pelas paródias do Drucker. Era um humor de mau humor. Ele apontava as incongruências de roteiro, as hipocrisias dos diálogos, a farsa em si dos blockbusters, com um desenho realista. E ansiávamos por uma nova versão de filme, todo mês.
Enfim, artista, vá em paz.
Um presente de Crumb

Viver é isso.
Jantar com Gilbert Shelton, Lora Fountain, Aline Kominsky e Robert Crumb na casa de Leca e Rogério, em São Paulo.
E ainda ganhar este presente feito pelos convidados.
Achei a noite tão especial que escrevi um texto sobre ela.
Mas o Maurício ponderou que não se deve publicar intimidade.
Passados dez anos, ainda não sei.
O fato é que conversamos um tanto.
Aline, Lora e eu, especialmente.
Gavetas, suas lindas.
A crítica que morreu antes de nascer
não conhecia esta hq.
quero dizer, esta modalidade de resenha literária sequencial.
me deu vontade de pular no livro resenhado.
checar se faz sentido o que a resenhista diz.
sinto falta deste tipo de crítica que todo o mundo civilizado faz para atrair um leitor.
muito pessoal, intuitiva, mas com embasamento na leitura da obra.
e que nós nunca fazemos.
admito que enquanto jornalista cultural tentei, mas fui pisada no coração, nas minhas melhores intenções.
então deixei pra lá.
todo mundo, enquanto parecia sério, era tão estúpido neste “jornalismo literário” impessoal, candidamente “neutro”, do brasil fundo.
quero dizer, findo.
e eu penso: muita coisa realmente tinha de acabar por aqui para um dia renascer, feito a crítica dos livros.
(se você não for assinante da New Yorker, use o outline)