Séries sul-coreanas e japonesas encaram a tragédia humana com humor, às vezes involuntário

Há um bom lugar na Netflix para as séries japonesas e sul-coreanas. São comédias românticas, na maioria das vezes. Um gênero muito interessante de acompanhar, desde o cinema mudo. Culminam com o beijo, que foi uma das primeiras emoções encenadas pelo cinema, e podem crescer com a dança, um jeito de representar sexo para além da nudez e dos jogos de palavras. Os desencontros têm um grande papel na construção do efeito humorístico, são sua essência.
Amo as comédias românticas, desde as mudas, ou principalmente estas. Mas quando penso nos anos 1930 dos Estados Unidos, nos 1940 da Itália, que festa! E que pena para a representação da condição feminina dentro delas. Só o casamento poderia dar a qualquer mulher o direito de ser feliz nessas tramas vigiadas.
As comédias românticas orientais presentes na Netflix hoje, em sua maioria, não significam cinema. São tevê bem feita, programas ficcionais cujo público-alvo é um setor da sociedade apontado como consumidor potencial. Gosto muito de um dos procedimentos dentro delas, que me remete aos filmes do diretor japonês Mikio Naruse (1905-1969). Os personagens raciocinam conversando, enquanto andam. Muito do bom cinema para mim é isso, movimentar-se. O ator italiano Marcello Mastroianni dizia à filha Chiara que, para atuar, ela precisaria apenas saber andar sobre os trilhos olhando para a câmera, não para os pés.

o primeiro passo para a vida em sociedade é dado ao caminhar
Até os reality shows orientais precisam fazer rir. É o caso da série pensada para que os pais de crianças pequenas aprendam a soltá-los. “Crescidinhos” envolve meninas e meninos a partir dos dois ou três anos de idade em tarefas solitárias, monitoradas bem de perto pela direção do programa. Eles precisam ir e voltar sozinhos de um ponto a outro de sua cidade, fazer compras ou entregar coisas. Como se estivesse implícito que caminhar é acordar para o mundo, é viver.
Há uma oferta séria para ambientalistas nesse rol. A ficção científica japonesa “Japão submerso: A esperança” aponta a fúria da mãe Terra diante dos maus hábitos que desenvolvemos em relação a ela. O humor aqui é involuntário, tantas vezes. A partir de um mangá de Sakyo Komatsu também disponível como anime na Netflix, e com roteiro de Toshio Yoshitaka, trata-se de uma história aflitiva, sem o consolo de apresentar um futuro certo a seus personagens, na direção oposta dos casos das crianças muito pequenas, soltas numa rua controlada, do reality show “Crescidinhos”.
Os orientais são tão refletidos, conscientes, engraçados, puros e caricaturais em “Japão Submerso”, mesmo enfrentando o apocalipse! As ações ambientais marinhas do governo interferem no movimento das placas tectônicas e, como consequência, o país inteiro vai sofrer abalos e sumir. Como assim, desaparecer uma nação tradicional dessas, com 120 milhões de habitantes? O governo nem tem tempo para pensar, mas ainda que pondere os efeitos da catástrofe em sua economia, quer proporcionar um futuro aos japoneses, o que faz pensar…

A trilha sonora da série é péssima, nunca se coloca na hora certa, e as cortinas aparecem imensas, revelando insistente contraluz. Uma fotografia pouco inspirada, talvez. Os cabelos dos atores, trabalhados exageradamente, diferenciam os personagens: espessos, majestosos, desarrumados, escassos, lambidos. Tenho vontade de abraçar a personagem jornalista naquele Japão surreal que nem mais existirá, a menos que o capitalismo o salve, que as empresas japonesas coordenem a migração em massa e que os cientistas, ainda por cima, combatam um vírus mutante oportunista, parecido com uma barata marinha. Vontade de roer as unhas. E rir.
Para o povo jurídico millenial, a série coreana “Uma Advogada Extraordinária” é espetacular. Vai lhes apontar um lugar na sociedade e, principalmente, discutir a ética e as leis num país distante, para o qual sopram os ventos da modernidade. Dirigida por Yu In-sik, a comédia dramática k-pop é em essência um show de mulheres em posição de comando, ainda assim, mal resolvidas social ou emocionalmente. Quem me falou sobre ela foi minha linda amiga de tantos anos, a escritora Betty Priesmag. Creio que desejou me confortar no meu novo retiro, imposto por mais um ligamento do tornozelo, desta vez totalmente rompido nas calçadas de São Paulo. Por pouco não precisei operar, e sinto insegurança sobre como vou andar pela rua de novo… Mas, bem, Betsy tem esse poder sobre mim, ela me animou: na hora do estresse, contou-me, a protagonista coreana ouve o grito das baleias e o frescor de uma epifania lhe surge. Conferi e “Uma Advogada Extraordinária” é isto, exatamente. Mas isto com humor, drama, romance, consciência social.
Vi todos os capítulos apresentados até agora, e faltam apenas dois para a primeira temporada se encerrar. A advogada extraordinária, que na verdade é autista, anda como um Chaplin de pernas abertas, tem mãos, rosto e pele lisos e ágeis de juventude, um olhar que investiga e se perde. Um show de atriz, a bela Park Eun-bin, que atua desde a infância. E os atores secundários são cômicos de igual estatura. Na série, a jovem advogada é amada pelo galã de tevê Kang Tae-oh, que interpreta um investigador. Ao que parece, a protagonista não terá sua história de amor resolvida tão cedo. A estrutura narrativa é assemelhada àquela que orienta as séries médicas: constrói-se o episódio a partir da tentativa de resolução de casos defendidos por um grande escritório de advocacia da Coreia do Sul.
Sigo firme em busca de novas opções dentro da barafunda desesperançada que é a Netflix, e se as tiverem, me falem delas. Amo os orientais de qualquer jeito, seja por sua modernidade anterior aos modernos, pela beleza, seja por sua tipicidade cômica fixa, a ousadia de nos confrontar caricaturalmente com assuntos extremos. Só eles para nos fazer rir quando em realidade deveríamos já ter arrancado todos os cabelos distópicos, à espera de o mundo encontrar seu fim.