Não podia mais evitar a “academia” e pra lá fui hoje.
Nunca conversei sobre política naquele ambiente. Nas poucas vezes que tentei fazer isso, precisei lidar com a ignorância básica dos instrutores.
Uma dessas professoras, muito bonita, negra, de aspecto doce, e que apoia a ação da PM em qualquer circunstância, me perguntou onde ficava Paris.
São professores formados pela uninove, em sua maioria com pós-graduação/especialização. Sendo a uninove a única faculdade de cujo nome eu me recorde agora entre as cursadas pelos instrutores, em sua maioria pobres que puderam usar o Fies.
Então passei toda a eleição sem falar com ninguém lá a respeito do Brasil, da política. Me abstive de sofrer.
E também porque academia de ginástica, pra mim, nunca pareceu exatamente um lugar pra fazer amigos, embora eu tenha amizades do fundo do meu coração nascidas lá. Nos últimos tempos, academia é templo de fascismo, como o shopping. Não gosto de nenhum dos dois.
Exercício foi e será minha tediosa obrigação. Se não precisasse fortalecer os tendões, jamais pisaria em uma academia, como por anos não pisei.
E embora não converse com ninguém nesses ambientes, sou educada com as pessoas. Aprendi assim. Sorrio. E não sou nova. Então, por via das dúvidas, me tratam como anciã. Tudo bem com a senhora? A senhora não precisa de ajuda? Tem certeza, senhora?
Até aí ok. Qualquer velho é tratado como criança neste mundo. Somos tão fofos.
Mas hoje veio o instrutor de meu treino de musculação, brasileiro de origem negra, a me perguntar se eu estava animada depois da eleição.
– Claro que não – respondi.
– Mas que é isso, Rô! – retrucou. Você tem de ser otimista com o Brasil!
(Pra que usar “você” se vai me tratar feito coroca?)
– Até o último dia desse governo serei oposição.
– Ah, mas que é isso!?! (Paternal.) Nosso pensamento tem de ser positivo, de evolução!
– Concordo. Então por que o Brasil, pelo jeito você, elegeu à presidência a regressão? Não posso crer que um ser humano igual a mim tenha votado em um homofóbico machista, apologista do crime, armamentista, entreguista de nossas riquezas, que vai tentar passar uma reforma da previdência pra nos fazer trabalhar mais no mínimo 14 anos!
– Mas e a reforma da Dilma, como era?
– O quê?!
– É só uma pergunta.
– Não teve reforma da Dilma.
– Do Temer, que é a mesma coisa, não teve?
– O Temer traiu a Dilma e o Brasil. Não é a mesma coisa. Ele a golpeou. E ela não cometeu crime nenhum.
– Mas você queria que a gente virasse Cuba ou Venezuela?
– Me poupe.
– Sério, queria?
– O PT esteve alguns anos no poder e não tivemos Cuba ou Venezuela. Você sabe a história de Cuba?
– De Cuba?
– Sabe que os Estados Unidos mantiveram um ditador por anos lá, que Cuba era quintal de jogo e prostituição, que os Estados Unidos traíram Cuba, que tentaram invadir a ilha depois que o ditador caiu, que Cuba precisou da ajuda da União Soviética, que a União soviética acabou e que Cuba sofreu severo embargo econômico? E que apesar disso ninguém passa fome em Cuba, que há educação pra todos em Cuba e que a saúde é de excelência em Cuba?
– Bem, não sou professor de história.
– Não precisa ser professor de história pra saber dessas coisas.
– E Lula?
– Amigo, sinceramente, tá feio… Eu sou cliente aqui.
– Eu sei!
– Pois então. E só continuo aqui porque esta academia não financiou Bolsonaro, responsável pelo clima de ódio que vivemos nos últimos dias.
– Ele não é responsável por essas mortes, é?
– Ele incita ao ódio e não tem culpa? Os assassinos destes últimos dia mataram em seu nome.
– É… te faço novo treino semana que vem.
– Faça, por favor. E leia livros, porque eles faltam em sua vida.
– Tá bom.